Como cristãos tornaram a tatuagem cool na Roma Antiga

Naiara Leão
5 min readJun 12, 2018

“Trago no corpo as marcas de Cristo”. De punição a escravos e criminosos, tatuagem virou símbolo de resistência política e espiritual

Detalhe de corpo de mumificado de mulher do Sudão, século 7. Ela tem tatuagem de monograma de São Miguel. Fonte: British Museum

No Império Romano dos primeiros séculos depois de Cristo, a tatuagem significava o mesmo que para a maioria da sociedade algumas décadas atrás: coisa de marginal e de bandido. Os romanos a usavam como punição pública a escravos e criminosos quando os cristãos começaram a marcar a pele também, mas espontaneamente. Alguns diziam que a stigma (palavra latina para marca, tatuagem ou cicatriz) não era produzida, simplesmente aparecia, como numa experiência milagrosa que remetia aos ferimentos de Cristo e dos primeiros mártires. E foi nessa altura que as coisas se inverteram. De símbolo de subjugação política, a stigma se tornou, para esses religiosos, sinal de eleição divina.

“Nos discursos sobre o martírio e a figura de Cristo crucificado, cristãos da Antiguidade subverteram símbolos de dominação e submissão, ação e passividade, honra e vergonha, apropriando-se da identidade de escravos ou criminosos”, explica a historiadora norte-americana Virginia Burrus em um artigo sobre Macrina. Freira do século 4 tornada santa, Macrina é objeto da primeira biografia feminina da história ocidental. O autor, seu irmão, conta que, ao preparar o corpo de Macrina para o funeral, descobriu em seu peitoral uma cicatriz “como uma ‘stigma’ feita por uma pequena agulha”. A monja que o acompanhava, amiga de Macrina, contou que o sinal era posterior à cura de uma grave doença e revelou: ”Isto é deixado no corpo como um lembrete do grande socorro de Deus”.

Breve história da tatuagem

Obviamente, nem cristãos nem romanos inventaram o gosto pela tatuagem. Ele já vem da Pré-História e é comum entre índios e outros povos autóctones das Américas e Oceania. Mesmo na Antiguidade (+- 4.000 A.C a 700 D.C) Mediterrânea (Sul da Europa-Norte da África- Oriente Médio), contexto dominado pela cultura helênica e latina da qual falamos aqui, certos grupos tinham o costume de tatuar os sacerdotes de seus deuses. Sempre criticados pela elite greco-romana.

Essa elite classificava como “bárbaros” os povos que viam a tatuagem de maneira positiva. Eram etnias dominadas, estrangeiros considerados inferiores. Por outro lado, sinalizar escravos com…

Naiara Leão

Nomad. PhD student of Religion, early Christianity and Women's and Gender Studies. Follow my IG @academicanomad